Desço os degraus
E a escada bate n’água,
Num grito entardecido de meu pai,
Pelas ruas molhadas de minha infância
Quero me precipitar
E me diluir na torrente do rio vermelho,
Num pendor desabado que verte sob meus pés
Meus dentes se pulverizam nas tetas beatas de minha mãe
A escola verde e uma manhã de limonada
O mundo está cheio de ipês
Uns mais longe, outros mais amarelos
Preciso aprender com eles uma série de silêncios
Desço os degraus
E a escada bate n’água
Num grito entardecido de meu pai
Pelas ruas molhadas de minha infância
As urtigas me ardem na pele
Nos longos goles do vinho acidulado pela cabriúva de meu avô
Há um riso enfumaçado no ar
E razões intransponíveis na saliva espumosa e alcoolizada dos que me levam
Quero largar estas mãos por onde correm finos grãos de uma fé que não me serve
Minha proteção está na imensidão do cinza nebuloso das tardes úmidas dos meus invernos
Deles ainda não saí e tenho certeza que não escaparei
Desço os degraus
E a escada bate n’água
Num grito entardecido de meu pai
Pelas ruas molhadas de minha infância